Arnaldo Jabor27/01/2009
O bem que Bush nos fez
Depois de oito anos de estupidez, a sensatez voltou à moda
A imagem mais pavorosa de 2001 não foi a queda das torres do 11 de Setembro; foi a cara de Bush, quando o assessor avisou-o do ataque dos aviões, na escola em que lia a história de um patinho para alunos do jardim da infância.
O trêmulo assessor segredou em sua orelha: "Destruíram o World Trade Center!" A cara de Bush apagou. Não levou susto, não teve medo, nada. Sua cabeça se deletou como um robô desligado. Osama Bin Laden tinha atingido seu objetivo principal: a mente de Bush. Naquele instante, começava a Era da Estupidez - a estupidez fanática do islamita cooptou a estupidez fanática do reacionarismo norte-americano.
O ataque às torres foi um alívio para os imbecis. Puderam berrar, lívidos de certezas: "Viram? A razão não existe!" Ali começaram os sete anos de erros que mudaram o mundo. Bush passou a reagir como uma cobaia aos comandos de Bin Laden e como um cachorrinho amestrado às ordens do "grande satã" Dick Cheney - este sim, a síntese perfeita da direita criminal.
Esses tempos nos ilustraram muito: o Mal existe sim.
Não o "mal" psicótico de um Hitler, Stalin ou Pol Pot, mas o mal da burrice, um mal boçal, para além da esperteza corrupta da gangue de Cheney.
Claro que houve grandes negócios para as Halliburtons da vida, para a indústria de armas, mas tudo boiava também na volúpia deliciosa da irracionalidade.
Os reacionários estavam angustiados com a complexidade que surgira com a queda da União Soviética, do Muro; tinha acabado o ralo maniqueísmo binário de socialismo contra capitalismo. O mundo não teria mais dois ângulos; o poder seria multipolar. Ou seja, democracia e modernização se revelaram inevitáveis - tudo que a direita fundamentalista odeia, exatamente como o Oriente dos islamitas.
Os fundamentalistas de lá e de cá têm ódio à diferença, pânico de não controlar a inexplicável circularidade da vida, negam a existência do mundo psíquico, massacram e matam justamente por não aceitarem a finitude, exorcizam a morte pela banalização da violência e se agarram na fé contra todas as evidencias - quanto maior a obviedade do não, mas a fé do sim. (Os fiéis esmagados sob o teto da igreja Renascer vão continuar crendo no casal de marginais que os controlam e roubam seus dízimos).
Não acreditamos mais na história dialética em que a tese e a antítese levem a uma síntese, nem que haja uma evolução para uma finalidade, uma futura harmonia.
A história vaga como bêbada pelo planeta; mas, talvez haja uma lei histórica sim, uma lei de alternância, uma necessidade quase física dos povos de mergulhar na irracionalidade e depois voltar para outro lado.
Creio que há um desejo profundo, instintivo, de negar a inteligência e de se refocilar no excremento da estupidez.
É quase uma vingança animalizada contra o tédio da civilização e contra a fugacidade da democracia. Sabemos que a corrupção e a voracidade capitalista criaram a sujeira que temos visto desde 2001; mas, como explicar a ausência de qualquer intelectual no gabinete de Bush, a não ser o Dr. Fantástico Karl Rove, teórico de uma perversão política pornográfica?
Bush declarou a Bob Woodward que invadiu o Iraque sem consultar ninguém, nem seu papaizão."Consultei o Pai Superior!" - respondeu, exatamente como Alá mandou seus guerreiros destruir o Ocidente.
Como explicar a passividade de Bush diante do furacão Katrina, a não ser pelo racismo e pelo horror à incômodas tragédias?
Como explicar a mentira deliberada ao povo para invadir o Iraque, senão pela volúpia ancestral da guerra e do domínio? Só a camisa-de-força segura essa gente.
O tempo foi detido pelos facínoras que tomaram o poder em 2000. Sua missão era, conscientemente, deter o avanço da humanidade, evitar a liberdade em nome dela mesma, evitar o incognoscível, evitar as surpresas sociais e cientificas, evitar o mistério dinâmico da vida social. E isso foi conseguido.
Até chegarmos a essa pletora de erros, a esse lamaçal político e econômico. Claro que Bush não é o único culpado pela recessão atual, mas seu governo desregulado ajudou muito o caos. E essa fome de imbecilidade cresceu e explodiu. E há uma rima entre essa crise e a chegada de Obama que encarna nossa fome de sensatez e eficiência.
Mas o papel delegado a Obama é árduo - querem que aja como os protagonistas dos filmes-catástrofes, onde sempre um herói individual vence ETs e comunistas.
Creio que ele fará muitas coisas, mas não o suficiente para impedir o ressurgimento de uma nova bolha de burrice.
Logo que seus limites de poder apareçam, aos poucos, a saudade da caretice, do atraso, da estupidez voltará.
No entanto, Bush teve um papel importante às portas do século XXI: ele nos mostrou com clareza didática a indecência do pensamento reacionário - revelou-nos a maquete, a sínteses de todos seus vícios e sua sinistra coerência, sem um desvio de sua meta de erros: guerra, ecologia, corrupção, num país recebido com US$ 500 bilhões de superávit e abandonado com US$ 1 trilhão e meio de déficit.
Bush desmascarou seus direitistas. Antes dele, a América jamais teria eleito um presidente como Obama, negro e intelectual.
A direita norte-americana era difusa, muitas vezes disfarçada de patriotismo, de integridade. Clinton quase foi "impichado" porque papou a Monica Lewinski.
Bush destruiu um país e lesionou o Ocidente para sempre e ninguém cogita de punição. Foi preciso o Bush ser um imbecil para os norte-americanos terem saudade da inteligência. Bush nos fez bem; errou tanto que virou progresso.
Espero que não seja tarde demais para Obama.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
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