MAURÍCIO HORTA
colaboração para a Folha de S.Paulo
"Meu pai nunca teve ressaca", diz Inês de Castro, 69, filha do cofundador da Mangueira, Carlos Cachaça (1902-1999). "E não tinha esse negócio de chá de boldo." Mas o dom da invulnerabilidade se reserva aos mitos. Mesmo sua filha, a "Cachacinha", não é imune. "Para o Carnaval, vou preparar um chá de louro com casca de cebola."
Longe da mitologia da ressaca, a única forma garantida de evitar o mal do dia seguinte é beber moderadamente. Mas, se o impulso carnavalesco derrubar o bom senso, o que resta é manter o estômago forrado.
O álcool ataca o aparelho digestivo, o que causa esofagite, gastrite e duodenite, cujos sinais são azia e enjoo. Também baixa os níveis de glicose (que se manifesta com mal-estar geral, torpor, dificuldade de raciocínio e até coma), além de desidratar o corpo e dilatar os vasos sanguíneos -razão provável da dor de cabeça.
Comer antes e durante as festas evita que o álcool desça direto do estômago para o duodeno, onde é absorvido; também protege a mucosa e evita a queda do nível de glicose. Se for tarde demais, a azia é contornada com antiácido ou leite, e o enjoo, com um procinético, que ajuda a esvaziar o estômago.
Verdade: comer, comer
"Bastante carboidrato antes e muito líquido e fruta depois", aconselha Robério Theodoro de Souza, 27, o rei Momo mais magro da história da cidade, com
"O ideal é, três a quatro horas antes da folia, fazer uma refeição caprichada com muitos carboidratos complexos, como massas", diz Zalcman. Digeridos lentamente, eles evitam grandes variações de níveis glicêmicos. Se não tiver tempo, um lanche ajuda.
Se a festa durar mais de uma hora, Zalcman aconselha levar no bolso barrinhas de cereal ou biscoitos salgados. Para evitar desidratação, ela indica a ingestão de
Para o dia seguinte, bastante água ou sucos, frutas ricas em água, como melancia, melão e laranja, e muito carboidrato e pouca gordura em todas as refeições. "Se comer carne, prefira as brancas às vermelhas."
Meia-verdade: uma colher de azeite antes
Lipídios demoram muito para descer do estômago. Eles protegem a mucosa do órgão contra uma gastrite alcoólica e dificultam a absorção do álcool, segundo Wellington Monteiro Machado, presidente da Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição do Estado de São Paulo. No entanto, essa absorção lenta diminui a percepção do álcool, o que acaba levando o folião a beber ainda mais, diz Lígia Maria Guimarães, gastroenterologista do Hospital Edmundo Vasconcelos.
Mito: manter-se bêbado
"Eu deixo rolar a dívida. Quando acordo, tomo uma cerveja gelada", diz Alvanísio Damasceno, 52, presidente do Bloco das Carmelitas, do Rio. "Isso não é mito, é um crime", rebate Carlos de Barros Mott, gastroenterologista do Hospital Sírio-Libanês. Manter o nível alcoólico no sangue pode adiar a ressaca, mas a tal dívida voltará de qualquer forma quando o nível baixar. "Essa crendice é um sinal de dependência que só estimula o consumo e a intoxicação. Não pode ser estimulada", diz Raymundo Paraná, professor de Hepatologia Clínica da Universidade Federal da Bahia.
Mito: analgésicos
Ácido acetilsalicílico e paracetamol aliviam a dor causada pela vasodilatação no cérebro; no entanto, o primeiro agrava a gastrite alcoólica e o segundo, misturado ao álcool, pode levar a doença hepática grave, segundo Paraná. Anti-inflamatórios também podem atacar o estômago.
Mito: cafeína
Café, energéticos e refrigerantes à base de cola entraram na mitologia etílica por conterem cafeína. Ela até pode se contrapor aos efeitos depressivos do álcool no sistema nervoso central, mas, por outro lado, também estimula a produção de ácido clorídrico no estômago, o que agrava a gastrite alcoólica, segundo Mott. Para piorar, ela tem efeito diurético, que piora o quadro de desidratação.
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